Restaurações classe III estão relacionadas ao tratamento de lesões cariosas que se iniciam na região proximal de dentes anteriores, geralmente na área de contato entre os dentes, e não comprometem o ângulo incisal. Com o avanço e após a remoção do tecido cariado, as cavidades passam a apresentar um formato de meia lua e podem envolver a parede vestibular e/ou palatina, estendendo-se muitas vezes da região cervical à borda incisal. Considerando que as diferentes regiões apresentam características cromáticas distintas, quando a face vestibular está comprometida, temos uma grande dificuldade de mascarar a emenda da restauração com o dente ao trabalhamos com resinas compostas.
Em resumo, as restaurações classe III representam um dos principais desafios da Odontologia Estética, sendo complexa a obtenção de resultados imperceptíveis, especialmente quando estamos diante de preparos menos conservadores. Além disso, esses preparos aumentam o risco de exposições pulpares. Sendo assim, o diagnóstico precoce melhora o prognóstico dessas restaurações. Neste post apresentaremos estratégias e possibilidades de tratamento com resinas compostas para aumentar a previsibilidade de resultados em restaurações classe III.
Cárie proximal e restaurações classe III
Antes de apresentar estratégias para restaurações classe III, é importante discutir a evolução da lesão cariosa nas faces proximais. Geralmente a lesão inicia na superfície de contato proximal e, enquanto não atinge a dentina, podemos orientar o paciente quanto às medidas de higiene oral e hábitos alimentares e realizar uma adequação do meio bucal na tentativa de paralisá-la. Nessa fase, o tratamento restaurador somente é indicado se existir um comprometimento estético que desagrade o paciente, geralmente relacionado à lesões pigmentadas superficialmente e visíveis por vestibular. Notem no esquema didático abaixo uma mancha amarronzada na face distal de um incisivo lateral.
Se as medidas preventivas não forem suficientes para impedir a progressão da lesão de cárie, a mesma alcançará a dentina e se espalhará pela junção amelodentinária em direção à polpa, deixando o esmalte sem apoio. Notem no esquema didático abaixo a lesão de cárie e a destruição de dentina em uma vista vestibular, proximal e em um corte transversal. Clinicamente, visualizamos uma superfície vestibular acinzentada que compromete a estética do dente. Observamos ainda como a lesão de cárie progride em direção à incisal, o que dificulta a sua remoção, tornando necessário um maior desgaste de esmalte para o acesso adequado dos instrumentais.
Remoção do tecido cariado
Devemos sempre que possível realizar o acesso à lesão de cárie pela face palatina, pois assim, temos uma maior possibilidade de preservar o esmalte vestibular, não prejudicando a estética. Se um volume expressivo de dentina for comprometido, teremos um esmalte sem apoio, com aspecto acinzentado. Notem na imagem abaixo o escurecimento vestibular da face mesial do incisivo lateral.
Sugestão clínica
Quando a lesão de cárie estiver localizada predominantemente na face proximal, invadindo um pouco a face vestibular porém sem alcançar a área plana do dente, vale a pena tentar restaurá-la sem qualquer tipo de bisel. Nesta condição, ilustrada na figura abaixo à esquerda, conseguimos resultados estéticos excelentes apenas removendo todo o tecido cariado. Por outro lado, caso a lesão alcance a área plana vestibular do dente temos um maior desafio restaurador, o que torna necessária a realização de um bisel para a obtenção de um melhor resultado estético. Esta situação é ilustrada na figura abaixo à direita.
Restaurações classe III e o risco de exposição pulpar
Os preparos tipo classe III, geralmente em formato de meia lua, podem apresentar uma grande proximidade com a câmara pulpar, a qual possui um desenho triangular. Exemplificamos esta situação no esquema didático abaixo.
Em resumo, o formato de meia lua da cavidade classe III somado à projeção do vértice do triângulo da câmara pulpar, determinam uma zona de grande risco de exposição pulpar na região axial. Dessa forma, a remoção do tecido cariado deve ser muito cuidadosa na parede axial.
Para a compreensão do conceito de zonas de risco de exposição pulpar em todos os dentes, sugerimos a leitura do post “Exposição pulpar e zonas de risco”.
Estratégia restauradora em restaurações classe III
Apresentamos abaixo um caso clínico envolvendo a substituição de uma restauração classe III deficiente associada ao fechamento de um black space (espaço negro). A principal queixa da paciente era o aspecto escurecido entre as unidades 21 e 22. Como tratamento, realizamos restaurações com resinas compostas em ambos os dentes.
Inicialmente, realizamos o isolamento absoluto para afastar a papila interproximal e melhorar a visualização e o acesso dos instrumentos durante a restauração.
Adesão
Após a remoção da restauração e profilaxia, foi realizado o condicionamento ácido total do esmalte por 30 segundos. Não realizamos o condicionamento ácido da dentina, pois utilizamos o Ambar Universal APS (FGM), que é um sistema adesivo autocondicionante.
Na sequência, removemos o ácido, lavando de forma abundante com água.
Com um microaplicador descartável esfregamos de forma ativa o adesivo. Recomendamos a aplicação de duas camadas de adesivo. Após 20 segundos, removemos o excesso e evaporamos o solvente com jato de ar. Em seguida, realizamos a fotopolimerização.
Aplicação da resina de dentina
Iniciamos as restaurações aplicando a resina de dentina UD1 (Enamel, Micerium), com uma espátula IPC, na cavidade classe III. As espátulas IPCs são extremamente delgadas e favorecem uma melhor aplicação da resina em áreas proximais e na intimidade do sulco gengival.
Ao final dessa primeira camada de dentina, realizamos a fotopolimerização. Sugerimos aparelhos fotopolimerizadores do tipo poliwave, que apresentam LEDs de alta intensidade e amplo espectro, para proporcionar uma fotopolimerização eficaz dos diversos materiais resinosos. Recomendamos o uso do Valo (Ultradent) ou do Bluephase (Ivoclar).
Em seguida, aplicamos a mesma dentina UD1 utilizando espátula IPC e tira de poliéster na face distal do incisivo central. Após a acomodação da camada de resina, realizamos a fotopolimerização.
Aplicamos ainda uma segunda camada de dentina UD1 sobre a superfície proximal do incisivo lateral. Espalhamos essa resina desde o terço incisal até o terço cervical da face mesial e, ainda, estendemos a mesma por sobre todo o bisel do preparo. Dessa forma, conseguimos mascarar a emenda entre a restauração e o dente.
Aplicação da resina de esmalte
A resina de esmalte E-Bleach (Vittra APS, FGM) foi utilizada como última camada, inicialmente, no incisivo lateral. Após adaptar a resina com a espátula IPC e tira de poliéster, utilizamos um pincel com o agente umidificador para uniformizar essa camada, garantindo uma melhor lisura. Recomendamos o uso do Modeling Resin (Bisco) ou do Wetting Resin (Ultradent) como agentes umidificadores. Em seguida, realizamos a fotopolimerização final dessa restauração.
Repetimos o mesmo processo com a resina E-Bleach no incisivo central. Adicionalmente, utilizamos uma espátula de silicone com o agente umidificador. Em seguida, realizamos a fotopolimerização final dessa restauração.
Acabamento e polimento proximal em restaurações classe III
No acabamento de restaurações classe III utilizamos lâminas de bisturi nº 12, lixas diamantadas, discos abrasivos, brocas diamantadas F e/ou pontas multilaminadas para a remoção de excessos. Após essa etapa, buscamos alcançar com o polimento superfícies lisas. Para tanto, utilizamos borrachas siliconizadas com diferentes formatos e granulações, em ordem decrescente de abrasividade.
Para melhorar o acabamento e polimento proximal recomendamos lixas Epitex (GC). Normalmente usamos a extra-fina (cor salmão) ou a fina (cor cinza), a qual foi utilizada neste caso conforme as imagens abaixo.
Após o uso da lixa Epitex (GC), finalizamos o polimento com um disco de feltro e pasta de polimento (Diamond Excel, FGM ou Enamelize, Cosmedent), com o objetivo de melhorar o brilho. Para aproveitar o benefício da pasta de polimento também na área proximal, utilizamos a mesma em conjunto com o fio dental, realizando um movimento de vai e vem de vestibular para a palatina. O fio dental pode ser um Super Floss (Oral B) ou se preferir passamos dois fios comuns juntos, conforme a imagem. Essa ação promove um melhor polimento dessa região que é praticamente inacessível às borrachas de polimento. Para entender melhor toda a técnica de acabamento e polimento, sugerimos a visualização do vídeo “Acabamento e Polimento – Passo a Passo”.
Imediatamente após o acabamento e polimento, notem como conseguimos melhorar a restauração classe III e o contorno das faces proximais de ambos os dentes.
Após uma semana, podemos observar o fechamento do black space quase na sua totalidade. Nestes casos há uma tendência de preenchimento total do espaço pela gengiva em um curto prazo.
Nas imagens abaixo podemos comparar o aspecto inicial e final após as restaurações.
Múltiplas restaurações classe III
Quando em um mesmo dente estamos diante de duas cavidades classe III que alcançam a área plana da face vestibular, a melhor estratégia é facetar o dente com uma fina camada de resina, unindo as restaurações. Exemplificamos abaixo essa situação com um caso clínico em que facetamos de canino a canino, aumentando a incisal. Notem restaurações classe III nas faces mesiais e distais dos incisivos centrais. O preparo para todas as cavidades classe III foi apenas o bisel do ângulo cavo-superficial vestibular, após a remoção das restaurações de resinas compostas preexistentes.
Considerações finais
As restaurações classe III fazem parte do nosso dia a dia de consultório. Apesar de atualmente constatarmos uma expressiva redução de lesões cariosas, especialmente em dentes anteriores, devido ao controle da doença cárie, muitos pacientes apresentam restaurações classes III que deverão ser substituídas com o tempo. Dessa forma, aprender as técnicas e estratégias para alcançar melhores resultados em restaurações classe III é de fundamental importância para o dentista.
* O artigo foi escrito com a colaboração dos professores Filipe Cardoso, Paulo Henrique Fagundes, Roberto Lopes e Priscilla Facchinetti.
Doutor, boa tarde! Gostaria de tirar um dúvida.
Coloquei facetas de porcelana em alguns dentes na parte superior, e confesso que me arrependi, pois houve um preparo e com isso foi feito um desgaste nos meus dentes e depois fiquei pensativo sobre isso. Minha dúvida é:
Quando eu tiver que trocar alguma faceta, eu gostaria de somente restaurar o dente e não colocar outra faceta. Ou seja, eu gostaria de recompor aquela camada que foi desgastada, entendeu?
Tem como fazer isso com essas resinas compostas?
Obrigado!
Muito bom! As postagens estão bem didáticas, fáceis de entender e abordando varias dicas e conteúdos interessantes ! ????????????????????????
Obrigado pelo comentário, Vanessa! Sua participação é muito importante!
Forte abraço.
O conteúdo do site está fantástico e enriquecedor! Excelente didática de ensino. Parabéns pelo trabalho Leo.
Obrigado, Thay! Espero que o site te ajude cada vez mais, a intenção é essa!
Forte abraço, minha amiga.
Excelente texto Léo! Linguagem objetiva e clara! Parabéns pelo trabalho realizado, pois sei o quanto demanda tempo e esforço para realizá-lo!
Obrigado pelo elogio, querida amiga!
Tem muita coisa aqui que aprendi e me inspirei em você e nos amigos da Endodontia da FOUFBA!
Realmente o esforço é grande, porém a recompensa de saber que estamos ajudando a nossa classe é maior ainda!
Um beijo grande, Xu!
Oi Léo, como sempre vc surpreende com a qualidade não só dos cursos, como também do material do site. Excelente didática. Parabéns.
Obrigado minha amiga! Que bom que você gostou!
Um forte abraço!