Pulpotomia ou amputação da polpa coronária dos dentes é um procedimento utilizado na tentativa de manter a vitalidade pulpar radicular. Pode ser realizada em dentes decíduos e em exposições pulpares de uma forma geral, especialmente quando não há sintomatologia espontânea, caso não sejam observadas radiograficamente lesões periapicais e clinicamente visualizarmos um aspecto “vermelho vivo” do sangramento, além de uma polpa com adequada consistência.
A principal indicação da pulpotomia em dentes permanentes está relacionada a unidades que apresentam rizogênese incompleta. Nestes casos, o sucesso do procedimento possibilita o crescimento radicular e a formação de dentina e, consequentemente, o reforço das raízes. Isso não seria possível, na maioria dos casos, com uma técnica de apicificação. Neste artigo sobre pulpotomia, vamos descrever de forma detalhada a técnica.
Polpa dentária
Antes de avançarmos no tema pulpotomia é importante tecer alguns comentários sobre a polpa dentária, que é constituída de tecido conjuntivo frouxo semelhante aos demais tecidos conjuntivos do corpo. A polpa dentária apresenta células especializadas denominadas odontoblastos, que são responsáveis pela formação de dentina primária e continuam desempenhando o papel de formação de dentina secundária e terciária frente a estímulos moderados. Os odontoblastos estão situados na superfície pulpar e emitem prolongamentos para os túbulos dentinários. Esta inter-relação entre a polpa e a dentina permite denominá-la de complexo dentino-pulpar.
Devido ao envolvimento por dentina, a polpa dentária apresenta limitada capacidade de expansão diante de uma reação inflamatória, o que torna crítica a sua resposta pela impossibilidade de expandir frente a uma vasodilatação. Sendo assim, a inflamação pulpar, que é uma reação de defesa, pode determinar danos irreversíveis para a polpa, além da possibilidade de causar um quadro extremamente doloroso de pulpite aguda, que evolui geralmente para uma necrose. Nosso objetivo neste post não é discutir a histofisiologia da polpa dentária. Contudo, em consideração a importância do tema, sugerimos leitura complementar em livros de Histologia, Patologia, Endodontia etc.
Pulpotomia: técnica
Antes de detalharmos a técnica de pulpotomia é importante lembrar da necessidade de realização de um correto exame clínico-radiográfico. Todos os pacientes que apresentem uma cárie profunda com a sintomatologia mais ou menos favorável, devem ser informados sobre o risco de exposição pulpar e uma eventual necessidade de capeamento direto, curetagem ou pulpotomia. A decisão de tratamento deve ser sempre a mais conservadora possível e, muitas vezes, só pode ser tomada após a exposição pulpar.
Em dentes com ápice aberto, o prognóstico é melhor por se tratar de uma polpa jovem e mais vascularizada. Por outro lado, se o dente entra em necrose a raíz não completa sua formação, ficando mais frágil. O mais importante é o esclarecimento do paciente e do seu responsável sobre as possibilidades, deixando claro que é uma tentativa de manter a vitalidade pulpar e, se não obtiver resultado satisfatório, deverá ser realizado o tratamento endodôntico.
Remoção do tecido cariado
Inicialmente devemos anestesiar e isolar o dente e, então, acessar a cárie com brocas esféricas em alta rotação sob refrigeração. Esse acesso deve ser conservador, porém com abertura suficiente para a adequada remoção de todo o tecido cariado. A remoção deve ser realizada com brocas esféricas tipo carbide com o maior tamanho compatível com a lesão de cárie, além de curetas.
Sempre devemos iniciar a remoção da cárie pela junção esmalte-dentina e, gradativamente, vamos alcançar as zonas de risco de exposição pulpar. Apenas quando a cavidade estiver quase limpa, devemos remover a cárie mais próxima da polpa e, nesse momento, poderá ocorrer a exposição pulpar.
Acesso endodôntico na pulpotomia
Após a remoção de todo o tecido cariado, devemos acessar a câmara pulpar e remover o seu teto com uma broca esférica estéril. Este acesso é muito parecido ao utilizado pela Endodontia. Devemos, em ambos os casos, ser o mais conservador possível para não sacrificar de forma desnecessária a estrutura dental, o que fragiliza dente.
Hemostasia na pulpotomia
Inicialmente podemos irrigar a câmara pulpar com aguá de hidróxido de cálcio ou soro fisiológico. O controle do sangramento é realizado com bolinhas de algodão estéreis sempre umedecidas em Otosporin (solução corticóide/antibiótico) ou em soro fisiológico, durante 10 minutos. Alguns autores recomendam o uso da água de hidróxido de cálcio também nesta fase. Independente da substância selecionada é importante que a bolinha de algodão esteja umedecida para evitar a formação de coágulo sobre o algodão seco, que ao ser removido pode gerar um novo sangramento.
Medicação e selamento provisório
Após o controle do sangramento, aplicamos sobre a polpa exposta o hidróxido de cálcio PA com o auxílio de um porta amálgama. Devemos acomodar o pó de hidróxido de cálcio com uma bolinha de algodão, praticamente sem exercer pressão. Na sequência, removemos o excesso de pó das paredes laterais e aplicamos uma camada de cimento de hidróxido de cálcio sobre toda a camada de hidróxido de cálcio PA.
Uma dica: comece a aplicação do cimento de hidróxido de cálcio circundando a cavidade, ou seja, das paredes para o centro. Isso facilita a realização dessa camada.
Após a aplicação do hidróxido de cálcio ou MTA, a cavidade deve ser preenchida com cimento de ionômero de vidro. É fundamental testar a oclusão para não deixarmos contatos pré-maturos que podem determinar uma pericementite e gerar uma grande sensibilidade, confundindo o sucesso da pulpotomia.
Restauração final
Para restaurar os dentes, devemos aguardar alguns dias após a pulpotomia. Não havendo sintomatologia, rebaixamos a restauração de ionômero de vidro e completamos com resina composta.
O sucesso do procedimento está relacionado ao crescimento radicular e à formação de ponte de dentina, o que nem sempre pode ser visualizado em radiografias. A ausência de sensibilidade no dente é um fator positivo. Vale ressaltar que em dentes submetidos a pulpotomias, o teste de “vitalidade”pulpar pode ser negativo, fato que não deve ser interpretado como um insucesso do procedimento.
Abaixo ilustramos a formação da ponte de dentina em um caso no qual foi realizada a pulpotomia como tratamento de urgência. Inicialmente pensamos em realizar a pulpectomia, porém um mês depois, quando a paciente retornou, visualizamos uma ponte de dentina obliterando as entradas dos canais e, assim, desistimos do tratamento endodôntico. Não recomendamos remover todo o material para este tipo de constatação. Como sugerimos anteriormente, quando planejamos uma pulpotomia devemos remover parte do ionômero de vidro e restaurar de forma definitiva.
Pulpotomia: para reflexão
Constatado o sucesso da pulpotomia, especialmente quando visualizamos o crescimento radicular e a maturação apical, alguns autores recomendam a perfuração da ponte de dentina e o tratamento endodôntico, considerando-se uma eventual necessidade de retenção intrarradicular. Contudo, atualmente a indicação de retentores intrarradiculares vem sofrendo redução, especialmente em molares e dentes que apresentem um razoável remanescente coronário. Dessa forma, a necessidade de reintervenção deve se restringir a casos que sejam estritamente necessário o uso de pinos intrarradiculares ou quando constatado uma lesão periapical.
Apesar de manter a vitalidade pulpar, a pulpotomia não preserva mais o remanescente coronário do que a pulpectomia, uma vez que ambos os procedimentos utilizam as mesmas aberturas endodônticas.
Em pacientes com dentes que apresentem pulpites crônicas ulcerativas ou hiperplásicas e rizogênese incompleta, indicamos a pulpotomia na expectativa de tentar manter a vitalidade pulpar radicular, com consequente crescimento e reforço radicular.
Para reduzir os riscos de exposições pulpares sugerimos estudar as zonas de risco de exposição pulpar. Os dois vídeos acima favorecem uma melhor compreensão do tema.
Entendemos a polêmica que o procedimento de pulpotomia em dentes permanentes pode gerar, não somente em relação à indicação como também aos diferentes protocolos clínicos. Entretanto, independente das opiniões, há um consenso na literatura: procedimentos conservadores que visem manter a vitalidade pulpar, tipo o capeamento direto e a pulpotomia, devem ser a opção de escolha para dentes com rizogênese incompleta. Cada caso clínico deve ser avaliado de forma isolada e criteriosa para a tomada de decisão.
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